
POR: Helena Garrido, in Jornal de Negócios
É o exemplo português do abalo que as redes sociais podem provocar, que  expõe um novo mundo para as empresas e a falta de protecção dos  consumidores portugueses.
A Ensitel, que vende equipamentos de  telecomunicações, está há dois dias a ser alvo de violentas críticas no  Twitter e no Facebook. O epicentro do terramoto é um cliente.
A  história remonta a Fevereiro de 2009. Tudo se resume à queixa de uma  cliente com um telemóvel - comprado poucas semanas antes - que a Ensitel  se recusou a trocar. A cliente, que vai partilhando a história no seu  blogue, não desiste e leva o processo até aos tribunais, onde perde. Há  uma semana, dia 22 de Dezembro, fica a saber que está a ser processada  pela Ensitel. O que quer a empresa? Que a cliente apague os "posts" que  escreveu sobre o assunto no seu blogue. E é a partir daqui que o tema se  torna viral. Ensitel é a palavra mais usada na comunidade portuguesa no  Twitter há pelo menos dois dias e a página da marca no Facebook está  recheada de críticas e insultos que, numa primeira fase, a empresa  tentou apagar, acabando por desistir de o fazer. O tema chegou ontem aos  sites dos jornais e às televisões, e hoje pode ser lido também na  edição em papel do Negócios.
Neste mundo novo que todos estamos a desbravar é possível retirar três grande lições do caso Ensitel:
1.  Os consumidores portugueses estão muito desprotegidos. Todo o processo  que é contado pela cliente no seu blogue (jonasnuts.com) revela um  sistema construído para desincentivar o consumidor a defender os seus  direitos. Só uma pessoa persistente e paciente leva o caso até ao fim.  Seguindo a descrição da blogger/cliente Maria João Nogueira - que a  empresa nem ontem desmentiu -, a Ensitel já tinha acumulado várias  reclamações sem que nada lhe tivesse acontecido. O processo foi seguindo  com cartas e reclamações para a empresa, para a ASAE e para o Centro de  Arbitragem de Conflitos de Consumo, onde o juiz decidiu que o telemóvel  deveria ser entregue à Ensitel para ser arranjado sem querer conhecer o  estado em que estava. Ou seja, a empresa não foi obrigada a dar à  cliente um novo equipamento. Depois de percorrido o longo caminho do  direito do consumidor, o consumidor vê-se sem o direito que lhe é dado  pela garantia do equipamento. Não é assim que se criam empresas  competitivas.
2. As empresas estão demasiado protegidas. A  Ensitel sentiu-se suficientemente poderosa para ir a tribunal solicitar  que fossem apagados os "posts" da cliente no seu blogue pessoal.  Sentiu-se poderosa o suficiente para interferir na vida pessoal de uma  pessoa com quem teve um conflito. É bem revelador da desproporção que  existe entre os poderes dos consumidores e de (algumas) empresas.
3.  As redes sociais como armas de equilíbrio ou de destruição. Paulo  Querido e Alda Telles analisam o caso, nos seus respectivos blogues, em  perspectivas diferentes, um mais na óptica do jornalismo, outro na visão  da comunicação empresarial. Vale a pena lê-los. Redes como o Twitter e o  Facebook mudaram o mundo de forma multivariável e numa dimensão que não  se consegue ainda racionalizar. As empresas, pelo caso Ensitel, vêem  como podem ser violentamente danificadas na sua reputação por cometerem o  mais pequeno erro com um cliente. Os consumidores ganham poder. Na  narrativa da teoria económica, a rede pode produzir maior equilíbrio nos  poderes de consumidores e de produtores gerando uma concorrência menos  imperfeita. Ganhamos em eficiência mas podemos perder em equidade. Quem  não está na rede ou na rede certa continuará desprotegido. Como quem não  tinha no passado os contactos certos. A justiça continuará a fazer  muita falta.
helenagarrido@negocios.pt