domingo, 13 de dezembro de 2009

Governo quer travar autarcas sob suspeita


Secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro, revela as mudanças que o Governo quer fazer na lei da tutela, para "reforçar o prestígio dos autarcas", e aborda apostas no domínio da simplificação administrativa.



Texto: PAULO MARTINS in "JN"
Foto
: Bruno Simões Castanheira

O Governo prepara-se para propor uma revisão da lei da tutela administrativa que impeça a recandidatura de autarcas condenados em tribunal.




Governo quer travar autarcas sob suspeita
José Junqueiro, Sec. de Estado da Admin. Local

Em entrevista ao JN, o secretário de Estado da Administração Local assegura que se trata de "reforçar o prestígio dos autarcas". José Junqueiro dá conta dos próximos passos na simplificação administrativa dos municípios e pronuncia-se sobre as novas competências que podem vir a assumir.


Na anterior legislatura, o Governo chegou a anunciar a intenção de no quadro de uma reorganização do território eventualmente extinguir freguesias. Continua nos planos ou é demasiado sensível em situação de maioria relativa?

É um problema que se colocará quando constituirmos as regiões. Devemos caminhar primeiro para a constituição das regiões e, depois, deixar que as regiões desempenhem esse papel. Neste momento, queremos actuar noutra frente, que nem sempre é compreendida pelos autarcas.

Qual é essa prioridade?

A Inspecção-Geral da Administração do Território registou em 2009 pouco mais de metade das participações de 2008. Isso significa que o movimento de simplificação administrativa e as plataformas informáticas fizeram com que a administração local reforçasse a transparência. Vamos apresentar uma nova lei da tutela administrativa que visa também reforçar o prestígio dos autarcas.

Que alterações estão previstas?

São alterações relativas às questões da inelegibilidade. Alguém condenado em tribunal não poderá recandidatar-se nem na eleição intercalar, nem na seguinte.

A impossibilidade de recandidatura só se aplicará em caso de condenação?

Sim, mas os pronunciados definitivamente por crime doloso, cuja pena seja superior a três anos, serão objecto de suspensão de mandato. Estas alterações farão com que se subtraiam da vida política local alguns episódios que, por vezes, são utilizados para macular o poder local. Não queremos que isso aconteça, porque os autarcas dão o seu melhor, em todo o país...

Também se "subtraem" autarcas como Isaltino Morais. É disso que falamos, fundamentalmente...

Com a revisão da lei da tutela, situações como a dele nunca mais vão ocorrer. Entendemos que o poder local deve ser prestigiado, porque desempenha um papel fundamental. Por isso vamos separar as águas. Creio que os autarcas aderirão bem a estas propostas.

O PS vai voltar a propor executivos municipais homogéneos?

Vamos defender a mudança no modo de eleição dos órgãos autárquicos. Entendemos que é este o momento para que essa mudança se operacionalize. Creio que vamos encontrar bom ambiente na Assembleia da República para que a lei seja revista. A negociação entre partidos pode ser feita já em 2010, para termos uma lei autárquica que dê maior estabilidade e governabilidade aos executivos e, simultaneamente, maior poder de fiscalização às assembleias municipais.

Porquê maior estabilidade, se a maior parte das câmaras é governada em maioria absoluta?

Porque o escrutínio político é mais objectivo e genuíno se se souber que há sempre uma maioria constituída e mais fiscalização. O Governo vai seguir atentamente esse processo, que não vingou na última legislatura, mas temos esperança de que agora vingue.

Tem sinais de que o PSD pode alterar algo na proposta que então fez para a aproximar da do PS?

Tenho sinais de que o PSD tem vontade de fazer essa lei.

O primeiro-ministro prometeu no congresso da Associação de Municípios (ANMP) uma "nova agenda de descentralização", classificada como a maior operação de sempre de transferência de competências. O que há novo? Esse foi o discurso da anterior legislatura e quase só se avançou na Educação.

Estamos a trabalhar já nas cartas sociais municipais, que prevêem para o equipamento social o que ocorreu na Educação. Trata-se de dar capacidade aos municípios de nos seus territórios traçarem prioridades a anos de distância.

Falamos de planeamento ou também de gestão?

Nesta fase, de planeamento de equipamentos. Também na Saúde a ministra já deu exemplos de competências a transferir. Estamos a contactar os ministérios para perceber que outras podemos passar. A Cultura indica a gestão de alguns museus. A Secretaria de Estado da Igualdade quer criar junto dos municípios a figura do conselheiro, que faça o interface com vários organismos, qualificando a democracia. Na área da indústria e desenvolvimento, estamos a estabelecer uma parceria com a Secretaria de Estado. A AICEP irá, em conjunto connosco, falar com empresários para, por exemplo nas comunidades intermunicipais, perceber as potencialidades, aconselhar procedimentos, informar sobre linhas de financiamento.

É quase tarefa de assessoria, não transferência de competências...

É uma partilha, uma parceria com as autarquias para a dinamização e valorização dos territórios.

Que balanço faz do processo de transferências na Educação?

É positivo. A dinâmica do programa de requalificação do parque escolar e construção de centros escolares dá ao país grande capacidade de realização. Os parceiros fundamentais são as autarquias.

Os autarcas queixam-se com frequência de que nem sempre as novas competências são acompanhadas de meios financeiros. Como responde a essa crítica?

Procuramos sempre transferir envelopes financeiros que acompanhem as competências. O que significa a partilha equilibrada entre a acção da administração central e a acção da administração local. As transferências são negociadas com a ANMP e, como é óbvio, os aspectos financeiros são acautelados. Não queremos que esse assunto perturbe o movimento descentralizador. Importante é identificar o tipo de transferências que melhor funcione.

Que novas metas estão traçadas no domínio da simplificação administrativa?

Aí, temos boas novidades. Vamos aprovar em Conselho de Ministros Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, que aprofunda a simplificação administrativa. As comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) ficam com papel coordenador, dando ao utente que, por exemplo, pede um licenciamento uma resposta única, vindas das várias instituições. Se não houver acordo, podem convocar uma conferência decisória para ultrapassar o problema e dar resposta.

As CCDR ficarão com prazos determinados para dar resposta?

Sim. E neste campo da simplificação há também as isenções, que aumentam. As pessoas ficam dispensadas de licença para pequenas obras, como telheiros, muros e alterações no interior de habitações. E acabamos com as vistorias, em alguns casos, como na electricidade. O técnico faz a instalação, devidamente credenciado e com termo de responsabilidade, e já não é necessária a intervenção de outro técnico.

O portal autárquico é instrumento importante na simplificação...

Já aderiram ao portal 80% dos municípios, o que permitiu desmaterializar mais de dois mil processos, tornando-os mais rápidos. Há respostas dadas em quatro dias. Numa segunda fase, faremos pedagogia junto das autarquias para aceitarem a desmaterialização por parte do cidadão na entrega de documentos e no acompanhamento, via portal, do andamento de processos. A maior novidade será introduzida em Janeiro: permitir aos presidentes de Câmara o acesso, com password específica, a todo o sistema financeiro da sua autarquia. Simplificação administrativa e modernização tecnológica, combinadas, dão mais celeridade, acessibilidade e transparência e menos burocracia.

"Regiões exigem consenso nacional"

O processo de adequação dos serviços desconcentrados do Estado à cinco regiões-plano já está concluído?

Ainda há algum caminho a percorrer, mas isso não depende só desta Secretaria de Estado. A intenção é prosseguir uma desconcentração polinucleada. No Centro, por exemplo, a Direcção Regional das Florestas está em Viseu e a da Agricultura em Coimbra.

O PS sempre defendeu que o passo seguinte seria a regionalização. Mas o referendo não consta do programa do Governo...

A regionalização está assumida pelo Governo. Deve fazer-se com responsabilidade, porque não podemos falhar uma segunda vez. É preciso trabalhar para um grande consenso nacional. Há partidos que ainda não se definiram. O PSD está dividido.

Não deve, então, fazer-se um novo referendo?

A questão do referendo está na ordem constitucional. Na próxima revisão ordinária...

Que será nesta legislatura.

... Haverá discussão sobre essa matéria. O PS defende um referendo, mas o importante é lançar um debate político que consensualize a regionalização. Esperemos que depois da normalização interna do PSD surja uma ideia definitiva. Não podemos ter o dr. Luís Filipe Menezes a dizer que quer, o presidente da ANMP a dizer que quer, mas outra parte do PSD a dizer que não quer.

A eleição dos órgãos das áreas metropolitanas não está nos planos do Governo...

É matéria que queremos discutir. Os progressos devem ser feitos caminhando juntos. Dialogando com os autarcas e os seus representantes, ANMP e Anafre, superaremos dificuldades. Mas temos outras prioridades. Queremos lançar o desafio de fazer um livro branco sobre o sector empresarial local, com a ANMP e universidades. Com a ideia de que é fundamental para a dinâmica dos territórios e deve ser ainda mais um factor de competitividade.

Trata-se de fazer a avaliação das vantagens e desvantagens?

Um livro branco dará a conhecer todas as virtudes que hoje sector tem e também todas as mudanças que devemos fazer, permitindo traçar uma linha estratégica para o médio e longo prazos.

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