sábado, 11 de abril de 2009

Refúgio para jovens à deriva


João Almiro aplica riqueza pessoal a acolher em casa toda a sorte de marginalizados

Por: TERESA CARDOSO in "JN"
Três dezenas de jovens marcados por violência doméstica, abusos sexuais,drogas, álcool e doenças refugiam-se na casa "Os Andorinhas", em Campo de Besteiros. À frente do porto de abrigo está um homem de 82 anos: João Almiro.

O dia 29 de Março foi vivido com particular emoção na associação "Os Andorinhas". Morreu a Bibi. Lina Maria Simões Gomes, com 38 anos de idade, que aos seis meses de vida foi entregue pelos pais, com problemas de alcoolismo, aos cuidados do farmacêutico João Almiro.

Portadora de Trissomia 21 e com o esófago queimado pela aguardente que lhe davam para se calar, a menina acabaria por ditar o rumo do seu protector. Um homem, nascido em berço de ouro, que aos 82 anos continua a trocar a comodidade que o dinheiro lhe proporcionaria, pela ajuda a marginalizados da sociedade.

Proporcional ao seu altruísmo, a fama de João Almiro atraiu para Campo de Besteiros jovens de todo o país. Muitos enviados por hospitais e cadeias. Em comum: famílias desestruturadas, pobreza, violência, abusos, violações, drogas, álcool e até doenças contagiosas.

"Este homem não existe". Quem assim fala é Fernando Abreu, 44 anos, antigo colaborador da Câmara de Tondela, que devido a complicações neurológicas, associadas a uma insuficiência renal, se afastou da família e dos amigos. Reencontrou-se junto de João Almiro. "É mais que um pai. A seu lado, recuperei de uma depressão e preparei-me psicologicamente para o transplante", testemunha.

Anteontem, à uma hora, o telemóvel de João Almiro tocou. Do outro lado, um SOS: Bruno, 24 anos, consumidor de drogas duras - chegou a ser expulso da Alemanha por isso -, pedia ajuda.

"Chegou de Lisboa a Tondela e não tinha para onde ir. Fui buscá-lo. Dei-lhe comprimidos para as dores e por aí fica enquanto quiser. Esta casa não tem grades. A ideia é a ajudar estes jovens a voarem sozinhos. Mas se tiverem recaídas, podem sempre voltar ao ninho", sintetiza João Almiro.

Sem um cêntimo do Estado, dinheiro que não reclama nem deseja, o farmacêutico assegura, na casa onde criou os filhos, a sobrevivência de quem lhe bate à porta. Agora são 30. Gasta entre seis a sete mil e quinhentos euros por mês. Vale-lhe a solidariedade de muitos amigos. E a quinta, trabalhada pelos jovens, de onde vêm os alimentos e onde cria vacas, porcos, ovelhas e galinhas para ajudar nas despesas.

"Além dos utentes, que fazem o que podem, somos duas funcionárias. Eu trato da cozinha. O doutor e os rapazes não se queixam da comida", brinca Maria Teresa Henriques.

João Almiro é o faz-tudo-da-casa: leva os rapazes e raparigas que precisam aos tratamentos de desintoxicação de álcool e drogas, às vacinas, ao ortopedista, a consultas de Planeamento Familiar. Consegue próteses. Chegou a salvar um doente, com cirrrose, que tinha os dias contados.

"É tudo do bolso dele. Aos 82 anos, carrega o carro e vai com a rapaziada para Coimbra, Viseu e por aí fora. Aqui no café, paga os consumos. Menos o álcool. Dorme sozinho com todos em casa. E se algum sai para a rua, é vê-lo de robe, na madrugada, à sua procura", testemunha Carla Teresa, do café Guiné, que fica defronte de "os Andorinhas". Ela e o marido, António Soares, temem pelo que possa acontecer aos jovens quando o benemérito faltar.

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